quinta-feira, 7 de março de 2013

Saindo da faculdade, 8h da noite, a chuva de verão desabou. Aquela água grossa, pesada, que cai com vontade... e que, no Rio de Janeiro, instala o caos! A chuva encheu as ruas em poucos minutos, destruiu árvores, lançou muitos raios sobre a cidade. O lixo se encarregou de tampar os bueiros e emporcalhar todas os cantos do Rio e redondezas. Assim, levei quatro horas para chegar em casa nessa noite! Horas e horas engarrafada, praticamente estacionada numa das principais avenidas do centro do Rio, só porque a cidade não suporta uma chuva que cai da mesma forma todos os anos. Alagamentos, mortes, falta de luz, lixo, lama, resgates, botes, bombeiros... E viva o poder público!



Chegando em casa, início da madrugada, quase 1h da manhã, cansada, com sono, com fome e irritada, me deparei com outra situação super comum durante as chuvas de verão do Rio: a falta de luz! O maridão já me esperava sozinho no breu do ponto de ônibus e fomos praticamente tateando até em casa. Velas por todos os lados pra afastar a escuridão e encontrar nossas coisas. Hora de tentar dormir...

Escuro, calor, mosquito... Abri as janelas e os mosquitos invadiram o quarto. Já acostumados, eles certamente riam do repelente, nossa vã tentativa de afastá-los. O calor trazia o suor e o desconforto impedia qualquer possibilidade de sono. Inônia o resto da noite... Cansaço acumulado. Pronto, 5:15h da manhã de novo, hora de levantar pra trabalhar... E nada da energia voltar.

Irritada e mais cansada do que no dia anterior, fui trabalhar. Os olhos ardendo, eu não era capaz de raciocinar. A falta de sono tirara de mim a vontade de me mexer. Fiquei vegetando em frente ao PC o dia todo. Não trabalhei, e saí mais cedo para finalmente dormir.

Chegando em casa a pior notícia de todas: ainda não havia voltado a eletricidade!
As pessoas nas varandas, cheias de calor, a vizinha velhinha tendo que ir para a casa de alguém da família onde tinha ar condicionado pois estava passando mal, e as pessoas revoltadas por estarem com calor e perdendo os alimentos da geladeira. Quase 24h sem luz! Absurdo! O governo me rouba o digno direito de dormir no conforto da minha casa! Após o banho, deitei no chão da varanda pra absorver o geladinho do piso frio e tentar amenizar o calor... O marido pendurado no telefone fazendo outra rclamação sobre a falta de luz, e anotando mais um protocolo de atendimento.



De repende ouvi uma gritaria do lado de fora da vila. Apurei os ouvidos e entendi o que diziam:
- Queremos luz! Queremos luz! Queremos luz!
Mulheres e crianças gritavam, amontoadas na entrada da rua principal. Carrinhos de bebê, crianças de colo, adolescentes descalços e sem camisa. Homens chegaram trazendo um pneu que pretendiam queimar. Haviam cartazes onde lia-se "Ampla irresponsável", "Outra vez sem luz", "Até quando?" e coisas do tipo. Era um protesto ali, na minha porta!

Simpatizantes da causa, fomos eu e o marido lá pro meio da confusão. Encontramos os vizinhos todos da vila por lá também. Olhávamos meio acanhados o movimento do pessoal da comunidade. Eles realmente eram bons em fazer barulho! Três carros de polícia cheios de PMs fortemente armados nos olhavam do outro lado do cruzamento. O movimento de carros na hora do rush sendo atrapalhado pelo protesto.

Uma mulher pequena, mulata, com a pele surrada de sol, short jeans, blusinha e chinelo liderava o protesto com maestria. Com um cartaz na mão ela ficava literalmente no meio da rua e gritava palavras de indignação com a concessionária de energia elétrica. E o povo aplaudia em coro! Era ela quem deteminava que carros poderiam passar na rua e organizava a confusão. Ela incitava o povo a reclamar. Foi logo apelidada por nós de "barraqueira do bem", porque ela usava aquele jeitão esporrento e de baixo nível por uma causa nobre.



Observei uma aglomeração na esquina e vi que dali saía a distribuição da cerveja! Claro, protesto que é protesto tem que ter cerveja no Brasil. Só faltou a música. E a mulher continuava gritando, com mais outras duas que lhe davam apoio:

- Quero minha luz! com minhas carnes estragando na geladeira e o corpo todo picado de mosquito! Só quero a minha luz! cansada de sem luz!
- Êêêêê!!! - gritava o povo em uníssono. - Queremos luz!  Queremos luz!
Aí ela virou para o lado onde estávamos eu, meu marido e os moradores da nossa rua e gritou apontando pra nós:
- Esse pessoal "da cidade" tá aqui! Eles não estão gritando que nem a gente, mas estão aqui do nosso lado! Isso é que é importante! Estão participando do nosso protesto!!!
- Êêêêê!!! - respondia o povo.

Uma outra mulher líder do movimento, com aquele jeitão típico de bandido, se aproximou de nós com seu top cor de rosa pink e minúsculo shortinho e disse:
- Vocês, "da cidade", não sabem o que é mosquito! Mosquito, lá no mato, carrega!!!
O "mato" a que ela se referia era a vegetação nos arredores do morro onde eles moravam. Se eu já tinha problema com mosquitos, ali pertinho do asfalto, imagina aquele povo! Se eu, que tinha freezer, já estava contando as horas pra morte das carnes e frangos congelados, imgagina aquele povo... Só protestando mesmo!


De repente chegou um carro da Ampla. O povo gritava tanto que o motorista do carro resolveu não parar para fazer o conserto! Fugiu!!! Os manifestantes gritaram pelo apoio dos PMs e uma viatura da polícia logo seguiu o carro fujão da concessionária e os trouxe de volta para fazerem o conserto. O povo foi à loucura!

Assim que o carro estacionou sob o poste onde o transformador tinha estourado um bando de meninos da comunidade subiu no carro dizendo que eles só sairiam dali quando a luz tivesse voltado! Boa manobra! Sequestraram os caras! Os trabalhadores da Ampla não tiveram outra opção a não ser consertar a maldita luz. Foram escoltados por dois carros lá pra dentro da rua, devia ser onde era o tal "mato" onde aquele povo morava. De lá, os homens não voltaram...

A noite caía quando, desanimados, voltamos pra casa pra jantar. Fizemos um macarrão à luz de velas (nada romântico). De casa eu ainda podia ouvir o protesto e ver as luzes vermelhas da polícia piscando. Resolvemos voltar para a manifestação e ver como andavam as coisas. Mais de 24 horas sem luz!

Voltamos quando outros carros da concessionária, muito festejados, chegaram e vários técnicos passaram a trabalhar em diversos postes. A noite caiu de vez. A maioria dos vizinhos, conversando entre si, já duvidava que conseguíssemos luz naquela noite, pois havia passado o dia inteiro e ninguém tinha vindo consertar nada! Mas a luz foi acendendo. Primeiro uma fase... o povo fez um minuto de silêncio. Aguardando... Outra fase voltou e o povo gritava feliz... Mas ninguém arredou pé do protesto. Incrédulos, ficamos esperando.

Três minutos de luz e... BOOOM!!! O transformador estourou de novo! Na frente de todo mundo, na fuça dos técnicos da Ampla e da polícia. Tudo no escuro de novo! Eu não acreditava! Um vizinho que morava na frente do poste que havia estourado, contava que tinha perdido a geladeira e outros eletrodomésticos com os picos de luz e que estava preparando um processo coletivo contra a concessionária. Também disse que assistiu ao transformador, aquele mesmo, pegar fogo na noite anterior, quando começara a falta de luz. Situação absurda pro cidadão!



Finalmente, às 8h da noite a luz voltou de vez! Celebração em massa. Mas antes do povo se dispersar, a "barraqueira do bem" veio cumprimentar os moradores da nossa travessa.
- Olha, obrigada vocês aí por terem participado do nosso movimento. - dizia ela e apertou a mão de cada um de nós.
Dissemos que era nosso interesse também estar ali e que ela não tinha o que agradecer. Terminamos dizendo que se ela se candidatasse a qualquer coisa, a gente votava nela, pois ela tinha o dom, a mulher que resolve! Ela se foi toda sem graça com os elogios, dizendo que não tinha feito nada de mais não.

O Brasil precisava de mais gente barraqueira assim. Com mais protestos, as coisas iriam melhorar por aqui...
Fui dormir feliz.



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